[Como vencer eleições?]

13.4.2025
curta

Eram cinco pessoas sentadas em redor da mesa. À cabeceira, estava um lugar vazio. O Artur chegava sempre atrasado, mais valia começar sem ele. Afinal de contas, o assunto a discutir era da maior importância, não havia tempo a perder. No quadro branco, lia-se a ordem do dia, cingida a um único ponto: como vencer as eleições?

“Meus amigos”, o silêncio foi cortado por Ana, com a sua postura solene habitual. Era a não-líder daquele grupo, porque ali não havia hierarquia oficial, era tudo horizontal. Quando não há líderes, existem não-líderes, com não-funções de pôr ordem na mesa. “Como sabem, temos uma difícil tarefa em mãos. Os nossos opositores crescem desenfreadamente nas sondagens, o povo já não está connosco, não conseguimos cativar os jovens. As eleições aproximam-se. Estamos aqui reunidos para perceber como ganhá-las.” Visivelmente emocionada, concluiu, dando uma não-ordem aos restantes: “a mesa está aberta a sugestões.”

Aníbal, o mais espedito de todos, levantou imediatamente a mão. Agarrava um papel cheio de rabiscos, onde se liam os pontos de um complexo plano de ataque. Ana pediu silêncio, e deu-lhe a palavra – não era altura para horizontalidades. 

“A resposta está nas redes sociais, como fizeram os germânicos”, explicou Aníbal, lendo a folha de papel. “Temos de usar o tuk-tuk para chegar às massas.” “O tuk-tuk, Aníbal?”, perguntou Ana, confusa. “Sim, onde os jovens produzem os seus conteúdos multimédia.” “Ah, o tik-tok!”, interrompeu Armando, o mais jovem da mesa, com quarenta e dois anos. “A minha filha usa isso e de facto faz sucesso, ela passa os dias agarrada à maquineta. O Aníbal tem toda a razão.” Todos acenaram com imponência, como se Aníbal tivesse anunciado a quinta lei da física na academia das ciências. Ana dirigiu-se ao quadro e escreveu, em grandes letras: TIC TOC.

“Isso é uma valente treta!”, vociferou Anabela, “essas redes sociais destroem as cabeças dos jovens e ridicularizam temas sérios, já vi um documentário sobre o assunto.” Visivelmente agitada, tinha conquistado a atenção da sala. Por isso, prosseguiu: “temos de falar do que realmente importa, dos salários, da habitação, da guerra, das coisas que preocupam as pessoas reais!” Todos acenaram, novamente. Se Aníbal tinha desvendado a quinta lei da física, Anabela acabara de descobrir vida num outro planeta. A tensão na sala estava a crescer, as opiniões chocavam, e Ana, munida do seu giz branco, escreveu mais uma linha no quadro: FALAR DO QUE REALMENTE IMPORTA.

“E tu, Arlindo, estás aí muito calado...” Arlindo, de facto, ainda não tinha aberto a boca. Encarava os colegas com um semblante contemplativo. Era nítido que estava a pensar intensamente no assunto, quase que se via fumo a sair pelas suas orelhas. Após um momento de silêncio, no qual Anabela aproveitou para fumar um cigarro e Aníbal para fazer scroll no telefone, o velho militante murmurou: “não será possível fazer os dois?”

A sala encarou-o com incredulidade. Ninguém esperava este comentário, muito menos vindo do Arlindo, que costumava ser prudente nas suas opiniões. Teve de ser Ana, enquanto não-líder, a quebrar o gelo: “Arlindo, o que queres tu dizer com isso...?” 

“Bom, não me levem a mal, mas talvez possamos usar essa ferramenta dos jovens... o toc-toc, ou lá como é... e, simultaneamente, falar dos temas que, como diz a Anabela, realmente importam?” Aqui, a sala entrou em alvoroço. Isto era demais, passava todas as linhas do aceitável. Se Aníbal tinha descoberto a quinta lei da física e Anabela a vida noutro planeta, Arlindo tinha acabado de defender que a terra era plana perante uma audiência de astrofísicos. Uma impossibilidade científica, uma afronta à seriedade com que se conduziam os assuntos naquele grupo. Armando estava prestes a enfiar um murro na cara de Arlindo, Anabela exigia a sua demissão imediata, Ana tentava pôr ordem na sala, até que ouviram o som da porta a abrir. Artur finalmente chegara. 

“Olá a todos! Desculpem o atraso”, balbuciou, enquanto pousava o casaco nas costas da cadeira. “Espero não ter perdido muita coisa!”, olhando para Ana, ciente que era ela quem não-mandava naquele grupo. “Ainda bem que chegaste, Artur, estávamos aqui a pensar em estratégias sobre como ganhar as próximas eleições, mas entrámos num impasse...”, explicou-lhe a amiga. Interrompendo-a, exclamou, “ah, por falar nisso, ainda agora tive uma ideia no metro, mesmo a caminho daqui!” Todos olharam para ele, ansiosos. Artur prosseguiu, com satisfação, ignorando Arlindo, que entretanto saíra da sala sem dar explicações a ninguém. Eram novamente cinco pessoas à mesa. 

“Após muito refletir, entre a estação do Marquês de Pombal e o Campo Grande, cheguei à conclusão de que esta democracia é um modelo corrupto por natureza e que, por essa razão, devemos rejeitá-la na sua totalidade. Por outras palavras,” explicou Artur, enquanto comia umas uvas que armazenara no casaco, guardando cuidadosamente as grainhas no bolso, “devemos conduzir a luta nas ruas e não nas urnas.” Todos olharam para ele com curiosidade. Realmente, o Artur trazia sempre ideias interessantes, valia a pena ouvi-lo. No quadro, Ana escreveu: LUTAR NAS RUAS. 

No meio de tantas opiniões eruditas, não tiveram tempo para votar. Já se fazia tarde e, como comentava Armando, “não se ganham eleições de estômago vazio!” Decidiram interromper os trabalhos. Regressariam mais tarde, de forma a descobrir a estratégia mais eficiente, imaculada e incriticável. Aquela que agradaria a todos os políticos, jornalistas, comentadores e, claro, aos eleitores. Ficariam longas horas a discutir, sem nunca chegar a uma conclusão. Arlindo nunca mais voltaria a aparecer. Anabela continuava a elencar as coisas que realmente importavam, e Aníbal estava viciado nas redes sociais. Ana tentava pôr ordem na casa, e Artur não parava de falar do “proletariado” e de “ação direta.” Armando não percebia nada do que se estava a passar.

Passado uns dias, perderam as eleições. Entre tantas opiniões, tinham-se esquecido de fazer campanha.